Estudos de Expressão em Lobos - Rudolph Schenkel, 1947 (e referência ao argumento “Alpha” de Mech)

O debate em torno da dominância e liderança no comportamento animal, especialmente entre lobos e cães, é um tema frequentemente controverso. Muitos já ouviram o argumento de que a ciência refutou a existência de dominância ou liderança em matilhas de lobos e, por consequência, em cães. No entanto, é essencial entender os estudos que originaram essas conclusões e como, em muitos casos, houve uma má interpretação dos resultados.

Este artigo aborda o trabalho pioneiro de Rudolph Schenkel e a referência ao argumento de David Mech sobre o conceito de "alpha", destacando as falhas nas interpretações que geraram confusão sobre o comportamento social dos lobos e a aplicação desses estudos em cães domésticos.

O Estudo de Schenkel: Um Marco na Etologia

O estudo de 1947 de Schenkel, “Estudos de Expressão em Lobos”, foi uma análise inovadora do comportamento de lobos em cativeiro. Ele observou como os lobos expressavam comportamentos de dominância, submissão e agressão dentro de um ambiente onde não havia a opção de dispersão natural. O estudo influenciou a etologia e a compreensão do comportamento canino por décadas. No entanto, com o passar dos anos, as observações de Schenkel começaram a ser desacreditadas e consideradas "ultrapassadas" devido às descobertas mais recentes de David Mech.

A Contribuição de David Mech

David Mech, um dos maiores estudiosos de lobos selvagens, propôs uma visão diferente do comportamento social dos lobos em seu habitat natural. Mech observou que as matilhas selvagens consistiam, na maioria das vezes, em estruturas familiares, onde os "líderes" eram, na verdade, os pais. Ele sugeriu, portanto, que o termo "alpha" poderia ser substituído por "casal reprodutor" ou "pais", o que gerou um novo entendimento sobre o comportamento social dos lobos.

Essa mudança de terminologia gerou uma onda de desinformação. Profissionais da área de treinamento de cães, ansiosos para desacreditar métodos mais tradicionais, passaram a usar o estudo de Mech para argumentar que o conceito de dominância e liderança não se aplicava a lobos, e muito menos a cães domésticos. No entanto, é importante destacar que Mech nunca negou a existência de comportamentos dominantes entre lobos, ele apenas defendeu que as estruturas sociais naturais dos lobos selvagens eram mais baseadas em famílias do que em matilhas rígidas formadas por indivíduos não relacionados.

O Equívoco da "Refutação" do Conceito de Alpha

É crucial entender que o trabalho de Mech não refuta o conceito de dominância ou liderança, nem em lobos nem em cães. Ele apenas destaca que a estrutura social dos lobos em cativeiro, observada por Schenkel, difere da estrutura familiar natural dos lobos selvagens. A terminologia usada por Mech foi influenciada pelo desejo de afastar associações negativas com a palavra "alpha", frequentemente mal interpretada e usada de forma inadequada em práticas de treinamento de cães.

Além disso, Mech escreveu, em uma carta à ”Psychology Today”, que se sentia frustrado com a má interpretação de suas descobertas, afirmando: "Essa má interpretação e desinformação total, como a de Kelley (referindo-se a um artigo sobre ‘domínio desmascarado’), me atormenta há anos. Não rejeito de modo algum a noção de comportamento dominante."

Por Que o Estudo de Schenkel Continua Relevante?

Embora o estudo de Mech tenha revelado informações valiosas sobre o comportamento natural dos lobos, isso não invalida as observações feitas por Schenkel sobre lobos em cativeiro. É essencial entender que lobos em cativeiro e em estado selvagem apresentam comportamentos diferentes devido às condições em que vivem. Schenkel estudou lobos que não tinham a opção de dispersão natural, o que forçou a formação de hierarquias mais rígidas. Isso é relevante quando pensamos em cães domésticos, que muitas vezes vivem em ambientes controlados e podem exibir comportamentos semelhantes.

Além disso, muitos problemas comportamentais observados em cães domésticos, como agressões entre cães da mesma casa, podem ser melhor compreendidos à luz dos estudos de Schenkel. Sua pesquisa oferece insights valiosos sobre como comportamentos adaptativos emergem em ambientes cativos, algo que ainda é muito relevante na interpretação de comportamentos caninos em lares humanos.

Considerações Finais

A etologia é o estudo objetivo do comportamento animal do ponto de vista evolutivo. Infelizmente, muitas vezes, crenças e emoções externas ao estudo científico acabam distorcendo fatos e observações. Tanto Schenkel quanto Mech ofereceram contribuições significativas para a compreensão do comportamento dos lobos e, por extensão, dos cães. No entanto, suas pesquisas devem ser vistas como complementares, e não como opostas.

O trabalho de Schenkel não é menos válido hoje do que quando foi publicado. Suas observações sobre lobos em cativeiro continuam sendo um pilar importante na etologia canina, especialmente quando aplicadas ao comportamento de cães domésticos. Compreender a diferença entre as observações de lobos selvagens e cativos nos permite ter uma visão mais clara do comportamento canino em diferentes contextos, ajudando a evitar simplificações excessivas e mal-entendidos.

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