Reflexões sobre o Impacto e a Eficácia das Técnicas de Punição no Treinamento de Cães
É amplamente aceito que, para uma consequência influenciar o comportamento futuro, ela deve ter uma “representação motivacional”, ou seja, ser aversiva (algo que o animal quer evitar) ou atraente (algo que o animal busca). A crença predominante em métodos de treinamento considerados mais "humanos" defende o uso exclusivo de técnicas baseadas em recompensas, como o Reforço Positivo (adicionar algo agradável) e Punição Negativa (remover algo agradável). O argumento central desses métodos é que o treinamento de cães não deve envolver consequências aversivas ou gerar estresse.
A maioria dos defensores dessas práticas admite o uso de punição, mas faz uma distinção clara entre Punição Negativa e Punição Positiva (adicionar algo desagradável, como um estímulo aversivo). Acredita-se amplamente que a Punição Negativa é inerentemente mais humana e ética que a Punição Positiva. No entanto, essa suposição pode não ser tão simples.
Desafios à Crença de que Punição Negativa é Sempre Mais Humana
Pesquisas científicas recentes sugerem que essa distinção pode não ser tão clara. Por exemplo, um estudo de Schalke, Salgirli, Bhom e Harbarth (2008) examinou o nível de estresse e a eficácia de três consequências no treinamento de cães policiais: (1) colares de pinos (Prong Collar), (2) colares eletrônicos e (3) um "sinal de desistência", que indica ao cão que seu comportamento não será recompensado (Punição Negativa).
No estudo, cães que não cumpriam o comando recebiam uma das três correções mencionadas. O interessante é que o "sinal de desistência" produziu os níveis mais altos de estresse (medidos pelos níveis de cortisol), enquanto o colar eletrônico produziu o menor nível de estresse — exatamente o oposto do que a filosofia baseada em recompensas poderia prever.
É importante reconhecer que os cães do estudo eram da raça Malinois, conhecida por sua motivação intensa por recompensas. Portanto, quanto maior o desejo por uma recompensa, mais estressante pode ser a sua omissão. Isso nos leva a considerar que, em algumas situações, a Punição Negativa pode ser tão ou mais estressante que a Punição Positiva.
Punição Negativa e Estresse: Nem Sempre Saudável
Uma suposição comum é que o estresse causado pela Punição Negativa pode ser considerado "Eustress" — o estresse positivo, que é saudável e motivador. No entanto, essa é uma interpretação que deve ser abordada com cautela, pois o que parece ser Eustress para um animal pode, em determinadas situações, ser mais prejudicial do que o estresse associado a uma punição positiva.
Por exemplo, o estudo de Schalke sugere que a Punição Negativa (remoção da recompensa) pode produzir altos níveis de estresse, o que levanta dúvidas sobre sua real eficácia e humanidade. Pesquisas adicionais, como o estudo de Dickenson e Dearing (1979), também mostram que a omissão de uma recompensa pode ser tão aversiva quanto uma estimulação negativa, como um choque elétrico, demonstrando que ambas as punições têm representações motivacionais semelhantes para o animal.
Eficácia das Técnicas de Punição no Treinamento
Outro ponto crucial é a eficácia das técnicas de punição. No estudo de Schalke, o sinal de desistência (Punição Negativa) foi a menos eficaz em modificar o comportamento, sendo bem-sucedido em apenas 3 de 42 cães, enquanto o colar eletrônico teve um efeito positivo em 38 cães. Isso sugere que, em algumas circunstâncias, a Punição Negativa não só é mais estressante, mas também menos eficaz do que a Punição Positiva.
Este é um ponto importante a considerar, especialmente no treinamento de cães de companhia que apresentam comportamentos perigosos. Nesses casos, pode ser necessário eliminar rapidamente esses comportamentos para garantir a segurança dos animais e das pessoas ao seu redor. Quando uma técnica mais aversiva é comprovadamente mais eficaz e menos estressante, seu uso pode ser justificado.
Conclusão: O Contexto é Essencial
Se olharmos para as evidências científicas, percebemos que a suposição de que a Punição Negativa é sempre mais humana e eficaz que a Punição Positiva não se sustenta em todos os casos. O uso de punições, sejam elas positivas ou negativas, deve ser analisado com base em cada situação específica, levando em conta a segurança, o bem-estar do animal e a eficácia do treinamento.
Como profissionais, temos a responsabilidade de considerar todas as evidências científicas ao avaliar procedimentos de treinamento, sem nos deixar levar por dogmas ou argumentos emocionais. Não podemos ignorar a eficácia das técnicas, principalmente quando o comportamento perigoso do cão está em jogo.
Em última análise, a pergunta "Qual é a punição mais humana, positiva ou negativa?" não tem uma resposta universal. A resposta mais honesta e ética é: "Depende da situação".