O diálogo abstrato e a falta de objetividade no trabalho com cães.

Você consegue distinguir a diferença entre um diálogo abstrato e um diálogo objetivo? Especialmente no universo de trabalho com cães, essa identificação pode ser a diferença entre um caso de sucesso e um caso com consequências desastrosas.

Recentemente eu venho pesquisando sobre as referências mais populares no trabalho com cães, desde livros, artigos, vídeos e até conteúdos de cursos, para entender porque ainda existe tanta confusão e incerteza por parte das famílias no que diz respeito à o que exatamente fazer para ter um cachorro bem comportado. Apesar de saber que o quadro geral é complicado, voltando a revisar tudo que existe hoje no mercado, preciso admitir que fiquei chocada ao mergulhar num oceano de informações ambíguas, sem qualquer objetividade ou clareza de detalhes. Não é à toa que as pessoas estão tão perdidas!

Na minha pesquisa, pude encontrar dezenas de profissionais e pessoas diferentes, que quando indagadas sobre problemas e possíveis soluções, apresentam sempre respostas abstratas. É curioso porque esse mesmo argumento popular, que é repetido por quase todos, vem seguido de um outro argumento também bastante usado que é, o problema não é o cachorro e sim os humanos. Vou elaborar mais sobre isso em exemplos reais, com observações, para que fique bem claro aonde eu quero chegar.

educação canina

Exemplo 1: Introdução de filhote numa casa aonde já existe um cachorro.

A pessoa pergunta se é uma boa idéia adquirir um segundo cão, ainda filhote, para uma uma casa aonde já existe um cachorro. A resposta é: se o cachorro da casa gostar de outros cachorros, sim! - Parece uma resposta direta mas na verdade não é. Aqui a decisão aparentemente é do cachorro. Mas vamos em frente pois essa parte da resposta é de menor relevância. A segunda pergunta é, como introduzir o filhote no contexto. A resposta é, fora de casa, dentro de outra atividade. Veja que aqui as coisas começam a flutuar. Partindo do principio que um filhote, normalmente chega com 2-3 meses, aonde exatamente seria esse lugar fora de casa? E como exatamente seria essa introdução? O único esclarecimento apresentado foi de criar uma associação positiva oferecendo comida e ou carinho apenas quando o filhote estiver presente. A terceira parte da pergunta é: como evitar problemas de convívio. A resposta é evitar disputa por recursos oferecendo mais recursos, ou seja, duas camas, dois brinquedos e etc.

Por favor avaliem esse diálogo e me digam se essa família, realmente foi bem orientada.

Exemplo 2: Entrevista com um treinador da parte comportamento feita por 2 alunos.

Após um curso de 5 dias, dois dos alunos, também profissionais da área no mesmo país, sentaram com o professor para falar sobre suas experiências. Durante uma conversa de uma hora e quinze minutos, eles falaram sobre alguns momentos do curso. Os alunos falaram que à princípio não entenderam muito bem o que estava sendo ensinado, e um deles admite que quase foi embora nos segundo dia porque as coisas realmente não estavam fazendo sentido. O professor disse que os alunos precisavam ficar até o fim para entender melhor. O professor fala sobre um dos cães com o qual trabalhou e como sua energia e tempo dedicado fizeram o resultado acontecer. Um dos alunos disse que apesar de não ter entendido tudo completamente admira muito o trabalho. O professor ainda diz que não explica o que está fazendo, intencionalmente, porque os alunos devem focar apenas no que está acontecendo ali. Um dos alunos questionou como poderia aplicar a dita técnica em outro cenário e o professor respondeu que ele deveria focar naquele momento e não no depois.

Esse foi o exemplo mais abstrato que eu encontrei. Depois de 90 minutos, o ouvinte, que pode ser uma pessoa que tem um cachorro ou um novo profissional, sai com a sensação que está flutuando literalmente num universo de palavras que não fazem sentido algum na prática.

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Exemplo 3: O super uso de termos agradáveis e o porque das coisas.

Todos vocês, que tem cachorros, ou que são simpatizantes dos bichos, já devem ter ouvido termos como; Bem estar animal, Associação positiva, Gastar energia, Cachorro sendo cachorro e etc. Esses são alguns dos muitos termos da moda. Mas cada um de vocês sabe exatamente o que esses termos e expressões significam? Cada um desses termos podem ser interpretados de maneiras diferentes, e acreditem, eles são! Tudo depende de quem usa, em que contexto e com que propósito.

O outro movimento que ganhou espaço é o estudo do porque das coisas. Porque o cachorro tem medo, porque ele faz xixi na sala, porque ele não faz xixi na rua, porque ele morde as visitas, porque ele avança em outros cachorros e etc. Entendam que estudar a raiz dos problemas é sempre válido, porém, esse mergulho no porque tem levado muitas pessoas à um abismo sem soluções. Vamos ver exemplos simples;

Porque o cachorro avança em outros cães na rua? O cachorro pode ser inseguro, pode ser tímido, pode ser possessivo com o dono, pode ter tido experiências ruins com outros cães, pode nunca ter tido contato com outros cachorros e etc. A lista de possibilidades é infinita, e quanto mais você mergulha, mais tempo você fica imerso. A questão aqui, como em uma série de outros casos, não é necessariamente o porque, mas como resolver.

De quem é a culpa por toda essa desinformação?

Não é de se admirar que o público em geral, sejam as famílias que tem cães e até os novos profissionais, sejam tão confusos e incoerentes nas suas ações no que diz respeito aos cães. O grupo que deveria estar na frente, como referência de aprendizado, simplesmente não está sendo eficaz no seu papel.

É fácil apresentar um discurso abstrato e depois depositar toda a culpa nas famílias pelo fracasso do treinamento e comportamento dos cães. Eu tenho que reconhecer que a maioria das pessoas que consome esse tipo de conteúdo concorda que a culpa é sempre dos donos. Isso simplesmente não é verdade. Será que estamos sendo justos? Que tipo de referência estamos seguindo? Quem são os nossos professores? Porque tanta falta de objetividade?

Se cada um de vocês, que busca aprendizado e ajuda nesse aspecto, não se tornar mais exigente nesse sentido as coisas nunca vão mudar. Como alunos, clientes e até aprendizes, é seu papel questionar, perguntar detalhes e buscar respostas que possam ser aplicadas no seu universo real. Vocês podem fazer isso antes mesmo de contratar um profissional.

Para você que é um novo profissional, seja o mais claro, transparente e detalhista possível com seus clientes e sua audiência. Tente se colocar no lugar da pessoa que te pediu ajuda e encontre a melhor maneira de ensinar, com objetividade. Usar termos abstratos é jogar idéias no ar e só deixa a pessoa mais confusa ainda.

Ideologias, teorias e argumentos são ótimos, mas devem ser apenas uma parte da apresentação do trabalho de cada profissional. Na prática somos chamados para trazer soluções práticas aonde existem problemas. Essas soluções são para as pessoas, logo elas devem ser o foco do seu trabalho. Se cada um de nós assumir essa responsabilidade, teremos um mundo com menos argumentos gravitando pelas esferas, e mais resultados materializados pelas mãos de pessoas comuns. Vale a reflexão.