Confissões de uma treinadora de cães: Capítulo 12.
/No capítulo anterior eu disse que hoje iria explorar a questão do estado atual do mercado de adestramento, porém, antes disso, acho que seria importante falar como eu cheguei nesse mercado, afinal nada faria sentido sem essa importante etapa.
Em voltei dos EUA para o Brasil no final de 2006, e no início de 2007 assumi o cargo na empresa americana, aqui em São Paulo. Nesse mesmo ano eu comecei um novo relacionamento. Tudo foi muito bem no primeiro ano, e minha vida era muito estável. Eu trabalhava muito, mas estava feliz. Eu já tinha sido casada então, nessa época, encontrar estabilidade no trabalho e no meu relacionamento era muito confortante.
Eu sempre adorei crianças e sempre achei que teria filhos cedo, mas a vida me levou para outros lugares. Depois de 1 ano e meio de relacionamento, eu propus ao meu namorado que fossemos morar juntos, afinal não éramos mais crianças e tínhamos uma relação muito equilibrada. Ele achava que não era o momento ainda. Até ai tudo bem. Continuamos juntos e um dia ele me disse que tinha visto um cachorro muito legal, na casa vizinha ao prédio aonde ele trabalhava. Ele passava por ali sempre e adorava esse cachorro.
Um dia fui até lá e vi o cão. Era uma fêmea da raça Basset Hound. Eu fiquei apaixonada. Tempos depois ele comentou comigo, num tom de brincadeira, que seria legal se nós tivéssemos um cachorro. Era um domingo e naquela hora eu já entrei na internet para procurar. Ele se assustou e disse que só estava brincando. Falou que eu deveria pensar bem porque cachorro prende muito a pessoa e eu poderia me arrepender. Naquele mesmo dia eu achei uma mulher, através de uma indicação de um canil, que tinha filhotes, com seis dias de nascidos. Ela disse que eu poderia ir lá para conhecer os bebês, caso tivesse interesse em reservar.
Pegamos o carro, na hora, e fomos. Ele me dizia o tempo todo que eu iria fazer uma loucura, mas assim mesmo me acompanhou até lá. Nos perdemos no meio do caminho e demoramos mais de 1 hora para achar a casa, mas chegamos. Quando vi esses filhotes eu sabia que não tinha mais volta. Fiz a reserva na hora, e saímos de lá com a promessa de ter um novo membro da família em 45 dias. Meu namorado quase teve um infarto! Ele voltou o caminho inteiro balançando a cabeça, ainda sem acreditar.
Apesar de parecer um momento de extrema impulsividade, parte de mim estava agindo por um diferente instinto: o materno. Como eu não tinha filhos, naquele momento, a sensação de cuidar era mais forte, e esse filhote seria essa minha nova experiência. Nesse dia minha vida mudou. Eu só conseguia pensar nesse cachorro e em tudo que eu poderia fazer com ele. Passei um mês estudando tudo que podia sobre cachorros, comprei uma dezena de DVDs, e passei a dormir e acordar pensando nesse filhote.
Lembro que a primeira referencia que eu tive foi o website da Leerburg. Lá eu dei sorte de encontrar, de cara, um treinador de bom senso, e tomei ele como base para entender como seria a minha vida com esse cachorro. Ele falava muito sobre a caixa de transporte então já comprei uma, além de todos os outros acessórios que precisamos ter para acomodar um cachorro em casa. Não me superestimem gente, pois agora eu vou contar sobre os meus erros também!
Antes desse filhote chegar, por alguma razão que eu não me lembro mais, eu decidi que um era pouco e dois era o número ideal, então comecei a procurar um segundo filhote. Achei um na internet, de um vendedor no mercado livre da época, e comprei. Faltava uma semana para o outro filhote chegar. Esse segundo filhote, já chegou doente. Eu lembro que o vi e soube na hora que ele não estava bem, mas não tive coração para negar. O rapaz me entregou ele, fechei a porta, calcei os sapatos e já levei ele num hospital veterinário na hora. Ele estava fraco mas não parecia na da grave. Comecei um tratamento e assim foi o meu primeiro dia com o Zeca, um pequeno Basset Hound também. Na primeira semana ele chegou a melhorar e logo depois de 4 ou 5 dias, o meu primeiro filhote chegou, o Zico. Na primeira noite os dois já dormiram juntos e bebiam da mesma água. Tudo absolutamente sensacional, porém, no dia seguinte, o Zeca começou a ter vômitos e diarreias horríveis.
Corri com ele para o hospital e o veterinário disse que existia um risco de ser parvo virose. Ele perguntou se eu tinha outros cães e eu falei do Zico. Ele disse que eu teria que separar os dois por conta dos riscos, mas já era tarde demais. O Zico ainda nem tinha vacinas, então agora era rezar para tudo ficar bem. Zeca chegou a ir e voltar de algumas internações, e com apenas 3 meses e meio ele foi embora. Foi triste demais ver um filhote sucumbir assim e eu prometi pra mim mesma que nunca mais iria confiar nesses anúncios da internet. O Zeca era um amor, e foi embora cedo demais.
Fiquei com o Zico, e graças à Deus, ele cresceu forte e saudável, sem qualquer sinal de problemas de saúde, pelo menos na fase inicial. Eu amei esse cachorro numa intensidade absurda e brincava dizendo que ele tinha saído da minha barriga. Muitas mulheres passam por esse momento, que eu chamo de maternidade instintiva. Nem sempre admitimos mas em algum momento da vida buscamos alguém (ou alguma coisa) para cuidar. É nesse momento que muitos cães entram na vida das mulheres modernas, e comigo não foi diferente.
Nos primeiros meses com o Zico eu não tinha outro assunto a não ser cachorros. Mergulhei nesse mundo de adestramento e comportamento canino porque eu realmente queria aprender, e quanto mais eu aprendia mais eu me fascinava. Foi nessa época, em 2008, que eu descobri o Cesar Millan. Lembro que comprei todos os DVDs de episódios da série encantador de cães e ficava assistindo com meu namorado todos os dias. Eu achava tudo aquilo sensacional. Em paralelo à tudo isso, minha vida profissional continuava indo muito bem, mas minha paixão estava nesse cachorro o no mundo que ele tinha me apresentado.
Eu comecei a conhecer as pessoas do bairro que tinham cachorros e comecei a ver os problemas de perto. Eu fiz muitos experimentos e muitas besteiras também, mas sempre tive um lado instintivo que me fazia ser mais desconfiada com certas coisas, como aproximação de cães estranhos e encontros em ambientes sociais. O Zico era muito seguro, e apesar de ter sido um pouco desafiador no primeiro ano, ele amadureceu e virou um cachorro sensacional bem cedo.
Eu ainda não pensava em trabalhar com isso, mas me via sempre ajudando outras pessoas que tinham problemas. Eu parava na rua e muitas vezes ficava horas explicando questões de comportamento para qualquer um que me perguntava. Eu lembro que uma certa vez, uma amiga minha de infância estava aqui em São Paulo para me visitar, e ela desceu comigo para caminhar com os cachorros. Nessa época a Maluzinha já estava aqui, e ela chegou a presenciar situações como essa. Ela me disse: “Minha amiga, você deveria trabalhar com isso. Olha essa paciência e habilidade natural que você tem de falar sobre esse assunto!”.
Eu pensava nisso, mas ainda como uma coisa paralela. É difícil mudar de rumo profissional, especialmente quando você passa boa parta da vida imaginando que uma carreira de sucesso é numa multinacional americana, com um salario legal. Meu conflito interno já existia, mas não havia ainda um senso de urgência para mudar.
Alguns anos se passaram, e mesmo estando totalmente inserida no mundo dos cães, eu ainda não tinha deixado tudo aquilo que conhecia como estável para trás, até que a vida me deu um empurrão. Nesse ano, meu namoro terminou, e eu tive um momento decisivo no meu trabalho, que era levar para a diretoria um situação grave, ou me calar. Não me calei e isso custou o meu trabalho. Parte de mim ficou feliz por saber que eu tive a atitude correta, e entendi ali que o mundo corporativo era apenas uma ilusão. Eu adorava o meu trabalho e sempre tive uma ótima reputação, mas nunca consegui enxergar injustiças e coisas erradas em silêncio. Perder aquela vaga na época, foi um livramento, e um grande empurrão que vida me deu na direção do meu próximo passo.
Lembro que na época meu pai me disse: “Raquel, você não acha que está na hora de montar o seu próprio negócio? Você não tem perfil para trabalhar para os outros.” Ele estava certo, e assim eu entrei de cabeça nesse mundo e fiz da minha grande paixão o meu trabalho. Não foi fácil, e como tudo na vida, tive que aprender muito errando. Quando eu resolvi abrir o meu espaço, ainda não tinha a real noção da verdadeira demanda desse mercado, mas arrisquei. Nesse mesmo ano, meu pai faleceu repentinamente, literalmente no primeiro mês que o meu negócio abriu.
Entre 2011 e 2014 tudo que eu conhecia como normal e estável na minha vida desmoronou, como um tsunami. Tive que aprender a começar do zero, assumir prejuízos, reconhecer erros e reconstruir os meus planos. Meu negócio, naquele formato, foi uma experiência muito importante, mas ainda não era aquilo que eu queria nessa profissão. Eu sabia que precisava ser mais do que alguém num espaço para cães, eu tinha que fazer diferente. Mudar esse formato não foi fácil, e eu cheguei a voltar, brevemente, para o mundo corporativo por alguns meses, até chegar num ponto aonde as coisas ficaram mais claras e eu entendi, de verdade o meu potencial.
Eu precisava estar mais perto dos donos, e entender melhor como essas pessoas pensavam e viam seus cães. Desse momento em diante eu passei a dedicar muito tempo construindo um website rico em informações, com muitos detalhes sobre treinamento e vida com cachorros, no mundo real. Foi aqui, nessa estágio da minha vida, que eu entendi aonde estavam as lacunas no mercado de adestramento e comportamento canino.
Eu passei a ser mais detalhista e dedicava muito tempo nas consultas com cada cliente. Eu via uma disparidade enorme no material que existia sobre adestramento no Brasil versus a realidade das pessoas. Esse era um dos motivos pelos quais as pessoas eram tão confusas, não tinha como ser diferente. Eu tinha achado ali o meu chamado. Era aqui a minha área de atuação e era por ali que eu iria começar a mudar essa visão geral.
Dito tudo isso, eu acho que agora vai fazer mais sentido explicar melhor a minha visão sobre o trabalho de adestramento no Brasil, e como ainda hoje, vejo muitos dos problemas que eu via naquela época, com boa parte dos profissionais. Mas tudo isso, e muito mais, eu conto no próximo capítulo.
Até breve.