O impacto da saúde no comportamento dos cães, na vida e na rotina.
/No nosso universo de comportamento canino diversas questões comportamentais são diariamente discutidas e, em algumas situações, essas colocações e argumentações se cruzam com alguns quadros de saúde. Hoje eu quero explorar um pouco mais essa questão, já que nesse momento, estou vivendo uma situação com o Zico que exige extremo cuidado no lado de saúde, então, porque não ir à fundo e explorar um pouco mais esse tema.
Para quem não sabe o Zico é o meu cachorro mais velho, pelo menos assim parece ser nas minhas contas, já que ele é o único que tenho desde filhote (as meninas já chegaram para mim adultas). Ele está hoje com 10 anos e 6 meses. Quando ele tinha 3 anos e meio ele foi diagnosticado com uma doença chamada hipoadrenocorticismo, a qual acusa a falência das funções da glândula adrenal que produz cortisona. Desde então toda nossa rotina foi adaptada para acomodar esse quadro, considerando assim as limitações que ele teria ao longo da vida.
No lado comportamental Zico sempre foi um cachorro tranquilo, desde muito pequeno. Ele nunca apresentou maiores problemas de comportamento quando filhote, e sempre se adaptou bem à situações novas. Ele sempre teve uma personalidade bem forte, sempre foi muito confiante, sabendo estabelecer seus limites em situações sociais. Sua energia sempre foi muito forte e ao mesmo tempo serena, fazendo dele um cachorro excelente com outros cães, em diversas situações. Claro que ele teve muita orientação da minha parte e eu sempre advoguei por ele, mas muito disso faz parte da natureza dele mesmo.
Quando os problemas de saúde surgiram foi muito difícil fechar o diagnóstico. Por ele ser um cachorro forte (muitos cães são) ele não reclamava de dores, não demonstrava muitas mudanças à não ser ficar mais quieto, o que não era incomum para ele. Esse é o momento aonde você deve conhecer muito bem o seu cachorro. Eu sabia que ele era calmo e tranquilo mas também sabia que mais apatia não era o normal. Uma vez que o diagnóstico foi feito e o tratamento começou eu sabia que muitos dos meus planos de rotina e atividades com ele iriam mudar. Ele não poderia mais fazer aquelas caminhadas longas, nem passar por muitas situações novas de estresse. O mundo dele teria que ser mais previsível e a rotina teria que ser bem mais simples.
As mudanças começaram com o ajuste da dieta, considerando todo o quadro, para potencializar o aproveitamento dele de vida mesmo com as limitações. Mudamos para uma dieta natural, com a ajuda de uma veterinária nutróloga, que foi excelente para ele. Nossas caminhadas passaram a ser menos longas e em ritmo mais leve, considerando o grau de tolerância física que ele apresentava. Por conta das medicações diárias, ele passou a beber mais água e fazer xixi com mais frequência por isso o uso da caixa de transporte também foi ajustado (menos tempo), permitindo assim que ele tivesse mais acesso à água e ao tapete higiênico quando necessário.
Durante esse período eu já tinha a Maluzinha, a Lucy e eventualmente a Kika também chegou. A presença de outros cães no contexto me fez ainda mais consciente do meu papel, já que eu sabia que precisaria estar sempre atenta à ele e seus sinais de possível estresse para evitar problemas. A Malu sempre foi uma cadela muito serena e tranquila, por isso acho que ela e o Zico sempre foram almas gêmeas. Eles se gostavam muito e sempre estavam juntos no mais alto grau de sossego. Já a Lucy e Kika tinha outro perfil. Elas sempre foram mais atléticas, mais dispostas à atividades de movimentos e mais alertas. Conseguir enxergar essas diferenças é um grande diferencial para criar o ambiente adequado de convívio, especialmente quando se tem um cão com alguma deficiência no contexto, e assim foi aqui em casa.
Como eu sempre fui adepta do uso da caixa de transporte, todos aqui em casa já estavam adaptados e isso me deixava bem mais segura quando eu precisava me ausentar. O Zico podia ficar solto em casa sozinho com a Malu, já que ambos dormiam sem causar nenhum problema, enquanto que a Lucy e Kika ficavam, cada uma, em sua caixa de transporte até que eu voltasse. Porque? A razão é simples. Eu precisava manter o Zico seguro e garantir que nenhuma situação de estresse iria acontecer. Lucy e Kika sempre se deram bem com o grupo mas por terem um perfil bem diferente, qualquer atitude de agitação delas, na minha ausência, poderia ter um impacto nele, e se eu podia evitar, assim seria.
Vejam que cães que tem problemas de saúde podem se sentir desconfortáveis com uma série de situações, sejam elas agitação ou latidos de outros cães, muito movimento, barulhos altos e etc. A maioria dos cães, como o Zico, não necessariamente expressam esse desconforto como imaginamos, e quando acontece, pode ser numa reação um tanto inesperada. Alguns exemplos disso são cães que eventualmente mordem pessoas ou outros cães quando estão com dor e são tocados da forma errada. Por isso, sempre foi uma enorme prioridade estabelecer a questão de respeito de espaço entre todos, garantindo assim que, mesmo quando soltos, cada um saberia respeitar o espaço do outro.
Outro ponto importante a ser observado é um possível quadro de crise que pode acontecer em casa, na presença de outros cães. Se o grupo não está sob controle, uma crise em um dos cães pode causar um ataque dos outros nele. No caso do Zico as crises eram silenciosas e o deixavam mais apático, mas, no caso de cães que sofrem de convulsões por exemplo, o risco é muito grande de haver uma reação adversa do grupo, por mais estável que ele seja. Isso acontece com muita frequência e pode ser facilmente evitado quando separamos os cães na nossa ausência, de preferência usando caixas de transporte para os cães saudáveis do contexto.
Esse tipo de prática foi extremamente benéfica para a Lucy e a Kika. Ambas, por serem cadelas com mais energia, se beneficiaram muito com esses períodos de sossego na caixa de transporte. Elas aprenderam a ter mais tolerância e esperar, sem fazer nada, enquanto eu precisava estar ausente ou quando não podia supervisioná-las. Elas aprenderam a caminhar mais devagar por causa do Zico, e esperar o momento adequado para fazer as atividades de mais impacto quando eu estava apenas com elas. Tudo no seu tempo, na medida certa, para atender as necessidades de cada um.
Ao longo dos anos a Malu foi ficando mais velha (ela veio adulta e já era mais velha que o Zico quando chegou) e também precisou de uma rotina mais limitada e com mais cuidados no final. Assim as atividades passaram a ser entre as duplas (Zico e Malu e Lucy e Kika) para garantir que todos estariam bem dentro de seus quadros de necessidade. Maluzinha se foi em Agosto de 2017 e desde então todo o tempo é dividido entre as necessidades do Zico e das meninas, quase tudo separado agora.
Zico já passou por alguns outros problemas de saúde no último ano, mas se recuperou. Dessa vez ele teve uma infecção em um dos dentes e está fazendo um tratamento antes da cirurgia que será na próxima segunda-feira. Essas últimas semanas tem sido de cuidado extremo com ele, exames, e administração de medicações para manter o quadro estável. O que é possível perceber de diferente no lado comportamental dele? Ele está incomodado com o dente e apesar de não vocalizar ou demonstrar muita coisa, ele precisa de repouso e de um ambiente tranquilo, sem estresse. O meu papel é garantir que ele tenha esse conforto e passe por esses próximos dias com o máximo de tranquilidade e cuidados possíveis.
No contexto geral Lucy e Kika respeitam muito o espaço dele, já que foram assim adaptadas, e sabem que esse é um momento aonde elas precisam ser tolerantes. Minha rotina com elas, nesses próximos dias, vai depender da resposta do quadro de saúde dele, por isso, a fundação do trabalho de controle de impulsos, com exercícios do place e períodos na caixa de transporte só ajudam e garantem que elas passem por isso com mais tranquilidade.
O que eu quero demonstrar aqui, com todo esse histórico, é um conceito crucial: saúde sempre vem em primeiro lugar. Para quem tem dois ou mais cães, certos cuidados são essenciais e por isso a preparação e um bom condicionamento ao longo da vida podem fazer toda a diferença quando esse momento chegar. Jamais desconsidere os sinais que seu cão te dá. Podem ser coisas simples, como apatia, ou falta de disposição, até vômitos e diarréia repentinos. Não deixe esse momento passar sem o auxílio do seu veterinário. Peça ajuda imediatamente e investigue o quadro com exames de acordo com a orientação do profissional de saúde.
Como eu já venho com essa experiência ao longo de anos, acredito muito em prevenção e muita observação de comportamentos adversos por conta de questões de saúde. Às vezes, em casos mais simples, até mesmo alergias, ou pequenos quadros de infecção podem causar comportamentos nunca antes vistos em seu cão, por isso, esteja atento sempre. Seja parceiro do seu veterinário já que você vai precisar contar com ele por muitos anos, e quanto melhor ele conhecer você e seu cachorro, mais ele vai poder te ajudar a identificar possíveis problemas de saúde em tempo hábil.
Não hesite também em ajustar a rotina do cão para uma melhor adaptação. Lembre que muitos programas podem não ser o ideal para cães com o organismo debilitado, por isso, considere o que o cachorro pode de fato fazer, e o que é válido à nível de atividades. Quando existem limitações de saúde, alguns sacrifícios devem ser feitos, e abrir mão de alguns programas ou atividades pode ser a melhor opção para o seu cão. Busque alternativas mais seguras e saudáveis e entenda que seu cão vai te mostrar até aonde ele pode ir. Evite riscos e advogue por ele, até o fim.